sábado, 20 de outubro de 2007

Por que não pensar?

Certa vez li numa revista um artigo que falava sobre a ausência de modelos cristãos para serem seguidos pela mocidade que tinha interesse em seguir a Cristo. Alguns meses se passaram, e constato cada vez mais que quem escreveu estava certo. Como estava!
Há alguns dias, vi dois vídeos que mostraram a cara do cristianismo hoje. Em um, o pregador recomendava aos seus fiéis pedir dinheiro emprestado para dizimar e ofertar, sob o argumento de que Deus faria essa semente prosperar, porque ele, o pregador, era profeta de Deus para as vidas ali presentes. Ele mesmo chegou a emprestar algum tostão pra alguns. Em outro, o pregador se valia da tecnologia para simular visões e revelações da parte de Deus, ludibriando aqueles que achavam que Deus estava sendo tão específico que detalhava o endereço de suas casas.
Somando-se a isso, a televisão está cheia de pastores, que ensinam uma teologia de riqueza, prosperidade e benesses nessa vida, sob a condição de ofertarem muito aos seus programas. Os pastores de pequenas igrejas reproduzem um modelo que produz efeito, com gritos e manifestações de poder, os ministérios de louvor reproduzem músicas cantadas por pessoas famosas no meio, mesmo sem sequer entender a não diferença entre música de louvor e música de adoração.
Os programas de ajuda se reduzem a assistencialismo para engodar mais pessoas ao sistema, e os conselhos são receitados segundo o problema padrão, com respostas prontas (”Ora e busca, irmão. Deus vai te dar vitória.”) que em nada respondem à necessidade pessoal de quem busca ajuda.
Porém, no mesmo período em que vi esses vídeos, li livros de autores que pregam um cristianismo mais “com a cara de Cristo”. Por isso sei que há ainda grupos de pessoas que não se limitam a aceitar o sistema por ele mesmo, mas que pensam e repensam a respeito de suas fé. Mas talvez aí resida a grande diferença: eles pensam. Conheço vários cristãos que sequer têm o hábito de leitura bíblica, que dirá de outros livros. Não se pode esperar, portanto, que eles saibam questionar os ventos de doutrina.
Uma olhada rápida na vitrine de uma loja de livros gospel revela o tipo de leitura buscada predominantemente. Basicamente do tipo “Como?”. Como conseguir a benção? Como ser feliz? Como properar? etc. Porém, ainda acredito que uma leitura íntima da bíblia pode induzir ao que ler a procurar mais que isso, mais que esses tipinho de literatura, o que certamente encontrará, porque há também muito material excelente escrito.
Comentando isso com uma amiga, chegamos à conclusão que o problema não é a ausência de fontes, mas a ausência de uma cultura de leitura nessa geração. É a geração do computador, televisão, mp3, ipod, tudo muito rápido, tudo muito fast; e nos estudos, estimula-se a leitura para passar no teste, não para crescer. Como se espera então que ocorra um processo inverso no meio cristão?
Interessante notar que pode até ser que não haja modelos públicos a serem seguidos, mas há alguns autores, muitos até já falecidos, que publicaram livros excelentes, resgatando o significado que o cristianismo deveria ter e possibilitando o repensar da fé, sendo eles mesmos modelos.
Reconheço que há muitos fatores envolvidos no que diz respeito a repensar a fé. É mais simples receber o alimento de quem é considerada uma pessoa “ungida” de Deus, é “arriscado” questionar autoridades espirituais, é provável que a maneira de pensar da maioria seja reconhecida como verdadeira, entre outras.
Mas, sinceramente, ainda acredito que se pode pensar diferente, e me refiro aos que estão no sistema, porque provavelmente os que estão de fora já pensem assim. Sei que um número reduzido procurará tais mudanças, mas pode ser que pelo menos pra esses o evangelho possa ser verdadeiramente uma boa nova, e não uma teoria de auto-ajuda e de prosperidade financeira que funciona na medida em que se investe. A esses eu recomendo a leitura disciplinada da bíblia e a leitura de livros de pessoas que não temem repensar.
Em tudo isso, apenas lamento e espero em Deus que Ele possa guardar esses corações que não se prostram a Baal, que não se rendem, que aceitam o convite para ir e arrazoar com Deus (Is 1:18), que adoram a Deus não com a força do seu emocionalismo, mas com a do seu entendimento, que querem beber mais do que água barrenta, mas águas límpidas, nem que tenham que seguir com dificuldade o regato sujo até encontrar a fonte das águas.


Lissidna
20-10-07